
Produzir música independente no Brasil nunca foi fácil. Desde as pioneiras Luhli & Lucina, o amor à poesia e às melodias mobiliza afetos e a colaboração dos amantes das artes. Com as 13 canções inéditas de Lucina, e letras do poeta Thiago Bechara, não tem sido diferente. Estamos apaixonados pela nossa “pequena” obra em parceria, cheias de temas pungentes e cantados de maneira delicada e bem brasileira, mas, como sempre, não há condições institucionais para serem pagos músicos, horas de estúdio, mixagem, produção artística e executiva e veiculação do álbum pelas plataformas digitais. Por isso esta campanha, encabeçada por Thiago Bechara, por meio da qual o álbum “Aprendiz de folha” deseja contar com sua colaboração para ser viabilizado, e cujo release, detalhando sua história e conceito, segue abaixo. Obrigado desde já!
RELEASE “APRENDIZ DE FOLHA”
Desde 2020 a cantora e compositora multi-instrumentista Lucina, veterana da música popular brasileira e pioneira na fonografia independente com a histórica dupla Luhli & Lucina, iniciou uma série de parcerias musicais com o escritor, poeta, dramaturgo e pesquisador Thiago Sogayar Bechara, autor de quinze livros, peças teatrais, teses e artigos, além de compositor, e que agora encabeça esta campanha para levantar os fundos da produção num esquema de pré-vendas. Cada contribuição terá como contrapartida a disponibilização personalizada do material fonográfico gravado + um livro do autor autografado via correio.
De uma amizade entre ambos renascida após anos sem contato, surgiu, sem que o premeditassem, uma obra de 13 canções (letras de Thiago e melodias de Lucina) que abordam poeticamente, sob diversos matizes, justamente o tema do renascimento, da mutação e da impermanência. Quase sempre sob metáforas inspiradas na natureza, e não à toa aspirando também a uma renovação das práticas humanas em relação ao ecossistema, o conjunto desta obra assumiu involuntariamente um surpreendente sentido de coesão, refletida tanto nas letras quanto nas melodias, cuja linguagem musical revelou uma estética particular.
Assim, seja sob a ótica astrológica (“giro de céu/ chega o tempo de outra rotação/ supernova essa era de mim”), ecológica (matas, pássaros, águas e fenômenos ambientais etc.), psicológica, mitológica ou mesmo do nascimento de uma criança (“no ventre um jeito de recomeçar”), as parcerias aqui apresentadas propiciam diversas camadas de leitura poética e crítica, de modo a ainda se relacionarem internamente, como um diálogo lírico em que cada canção é uma voz, mas diálogo este, aberto às possibilidades dialéticas que cada ouvido fizer por sua própria escuta.
Sem ser um projeto de dupla, o álbum traz as vozes de seus dois autores com arranjos pensados também em parceria. Símbolo de excelência vocal e instrumental, Lucina empresta sua sensibilidade às faixas, enquanto o canto do escritor entretece pontuações que destacam possibilidades dramatúrgicas, inclusive declamando trechos de letras e/ou poemas de sua autoria.
O álbum Aprendiz de folha, título aliás da primeira composição da dupla, incorpora em seu conceito a ideia existencial de processo; a vida sempre aprendendo a se construir a si própria, aprendiz de si mesma, reiniciando sua jornada, tendo a folha como metáfora do que (re)nasce e propicia a renovação da vida. Cada folha tem de aprender a gerir sua própria fotossíntese, para que todo o sistema da planta se mantenha. Também a relação indivíduo-coletividade se implica nestes símbolos sonoros. E a coletividade pode ser tanto social quanto o próprio meio ambiente em si.
Entretanto, embora passível de leituras filosofantes, o conjunto destas 13 canções são, antes de mais nada, e acima de tudo, música popular. Com todos os atributos que seus autores julgam característicos desta definição, a ideia de tais parcerias foi sempre a de compor boas músicas, nunca a de produzir um discurso necessariamente estruturante. O conceito veio a posteriori. E por meio dele os próprios autores revisaram suas motivações iniciais e encontraram possibilidades de significação que não haviam contemplado no momento intuitivo da criação.
Do “plantio de outra condição” (um dos versos de “Giro de céu”), nasce a esperança. A mesma esperança que surge quando do nascimento de um bebê. Não à toa parecem ter vindo tão bem “amarrados” os versos “Sobre a proa da criança/ cada aurora me esperança/ no retorno ao cais” (de “Mitologia”). A mesma ideia de nascimento que transforma o contexto aparece em “Cecília” (“Tem dentro de cada tronco/ toda uma selva de brotos”). De modo correlato, a esperança surge nos aspectos ecológicos em versos como “No seu alagado/ o gado bebe a fé/ que aos rios virá” – “A pétala em vez/ da insensatez” – “Me plantei pra te adubar” – “O reverdejar do campo/ onde as flores de Hiroshima/ não vão mais/ ressecar nosso mar/ Nunca mais” e etc. – e até mesmo em “Quais jardins de ti me plantarão/ no ser e no não ser mais” (sendo o “não ser mais” uma evidente superação de algo que dará espaço ao surgimento do novo), pode-se sentir o cheiro de uma flor que nasce enquanto outra fenece.
Tematicamente, portanto, a ideia de mutação trazendo esperança subjaz a todos estes rios musicais semeados pelos autores de Aprendiz de folha. Não poderiam ser menos solares e ligados à terra os elementos sonoros escolhidos para os arranjos, primando sempre pelo minimalismo, buscando “ouvir” o que cada letra-melodia “pede” antes de impor uma profusão desnecessária que mais turvaria a audição do simples e do essencial ao qual o álbum almeja, do que qualquer outra coisa. O trabalho se pretendeu, desde sempre, singelo, brasileiro, lírico, delicado e, sobretudo, íntimo dos ouvidos que chegarem até ele. Daí a presença de cordas, percussões e de um acordeom que traga a sofisticação própria do Brasil profundo.