Espetáculo de Dança Doce Amargo
Preto. Branco. Preta amarga, como café sem açúcar, a doçura branca, labuta de corpos pretos escravizados, para que senhores, em deleite, segurem com suas mãos brancas xícaras de louça branca. Pernambuco. São Paulo. Corpos pretos - mercadoria são trocados por corpos brancos - baratos, todos a serviço dos corpos brancos - caros, já que estes sim tem valor. Ontem. Hoje.
O confronto entre esses universos é a matéria-prima desta proposta de experimento cênico, que almeja ser produto de pesquisa teórico-prática transdisciplinar de matrizes da cultura popular (como o maracatu rural, o cavalo marinho, o jongo, entre outras), processo de uma investigação contemporânea de criação.
Serão duas brincantes-bailarinas (Larissa Bonfim e Luana Ratis) em diálogo com a dramaturgia e a literatura/ poética (Renata Pimentel); além da musicalidade (Keu Santos), e assim as matrizes mencionadas da cultura popular serão confrontadas às geografias, cores, espaços e culturas de dois estados do Brasil: Pernambuco e São Paulo. Uma das bailarinas tem formação popular em dança, é negra e pernambucana; a outra tem formação em balé clássico e dança contemporânea, é branca e paulista. Os dois estados tiveram parte significativa de suas histórias vinculadas a cultivos bastante específicos: a cana de açúcar em Pernambuco e o café em São Paulo; terras cujas economias se construíram sob o suor e o sangue de negros escravizados, de trabalhadores imigrantes em condições de precarização e, em imensa medida, polarizadas em uma elite oligárquica e uma base larga de pessoas exploradas. Embora com auras distintas, Pernambuco reflete mais forte imagem de capitania nordestina, vista com desdém pelo sudeste e sul do país, como passadista, retrógrada, menos desenvolvida e São Paulo com sua aura industrial e cosmopolita. Não se pode ignorar, porém, o fascínio e as semelhanças entre as duas geopolíticas, bastante relevantes.
O projeto, ainda inicial e provisoriamente, nomeado Doce Amargo, com esta configuração de equipe composta por pessoas de formações diversas, mas confluentes, em searas de linguagens criativas afins: música, dança, teatro, dramaturgia, literatura/ poesia, sociologia e antropologia, história, pretende-se um trabalho cênico híbrido, fortemente ancorado na dança e na musicalidade popular.
