A cirurgia de catarata pode estar mais desafiadora, mas é possível apresentar bons resultados.
Sabe-se que o trauma ocular é associado às mudanças da catarata no cristalino. A lesão direta do cristalino pode ocorrer de modo penetrante ou por traumatismo contuso do globo ocular. Dependendo do tipo de opacificação do cristalino e do envolvimento do eixo visual, os sintomas são acentuados.
O tratamento dessas cataratas traumáticas pode ser agravado pela presença da diálise zonular pré-operatória, ruptura de cápsula posterior, trauma coexistente à íris ou córnea e pouca visualização devido à opacidade do meio. Esses fatores podem oferecer dificuldades para o êxito da remoção da catarata, provocando sinéquia, não dilatação da pupila, diálise intraoperatória, queda do núcleo, hifema ou perda de vítreo. Para que se ofereça a melhor visão possível ao paciente, a cirurgia de catarata em tais situações torna-se desafiadora, mas não impossível.
Nessa coluna, discutiremos as complicações da catarata traumática e tratamento da perfuração corneana com catarata.
Figura 1. Trauma penetrante na córnea com um corpo estranho intraocular e catarata traumática.
Imagens: Agarwal A
Há duas questões básicas relacionadas à cirurgia da catarata traumática: A remoção da catarata primária ou secundária deve ser realizada e, caso seja decidida a realização da intervenção, qual a técnica mais adequada? O tratamento conservador com preservação do cristalino é seguido especialmente para manter o potencial acomodativo em pacientes jovens, a menos que haja perda de visão significativa ou complicações que ponham em risco a visão, devido ao corpo estranho intraocular (Figura 1). Em olhos com lesões perfurantes, se o dano ao cristalino for visível e estendendo-se ao material cortical na câmara anterior, a remoção do cristalino é realizada ao mesmo tempo em que a reparação da laceração corneana, sendo o procedimento primário (Figuras 2a e 2b). A outra opção é o procedimento secundário, no qual a reparação da laceração corneana é realizada inicialmente, seguida pela remoção do cristalino com catarata, com ou sem o implante de LIO, após um curto intervalo de tempo.
A cirurgia deve ser realizada sob anestesia peribulbar em adultos. Entretanto, a anestesia geral pode ser necessária em pacientes pediátricos não cooperativos e em lesões abertas do globo ocular.
Uma incisão em túnel escleral ou em córnea clara pode ser realizada. Um túnel escleral de espessura parcial é criado a uma distância de 1,5 mm posterior ao limbo cirúrgico. A dissecção da esclera é avançada com uma lâmina crescente, em até 1,5 mm dentro do tecido corneano, a partir do limbo. A câmara anterior é alcançada com um cerátomo descartável de 2,8 mm a 3,2 mm. O viscoelástico é usado para manter a câmara anterior. A capsulorrexia é realizada como uma cirurgia de catarata de rotina com um cistótomo curvo de 26 G ou fórceps de capsulorrexia (Figuras 3a e 3b). Se houver uma ruptura pré-existente na cápsula anterior, pode-se completá-la acompanhando a margem. O azul de Trypan é usado para corar a cápsula em cataratas brancas, o que torna o procedimento simples. Em uma cápsula anterior fibrótica e espessa, as tesouras Vannas podem ser necessárias para realizar inicialmente a abertura da cápsula.
Uma cânula Simcoe pode ser usada para aspirar cataratas moles. Entretanto, cataratas espessas necessitam de definições de aspiração e vácuo da facoemulsificação. As cataratas de membrana espessa podem ser removidas após um corte inicial com tesouras Vannas, seguido de remoção manual com fórceps. Outra opção é remover a membrana com um cortador de vitrectomia. A extração da catarata extracapsular com implante de LIO primário também pode ser realizada de modo seguro, mesmo em olhos com catarata traumática. Após a capsulotomia, a incisão límbica pode ser estendida e o núcleo pode ser fornecido com uma lente Vectis. A lensectomia e a vitrectomia via pars plana com implante de LIO é outra opção que pode ser realizada como procedimento primário.
Figura 2. A: Reparo da perfuração corneana com fio de náilon 10-0. B: Porta principal criada com cerátomo para remoção da catarata.
Figura 3. A: Siderose com catarata B: A capsulorrexia é completada com fórceps.
Deve-se tomar cuidado, especialmente na realização das etapas de capsulorrexia e remoção cortical, para não enfraquecer ainda mais o suporte zonular já comprometido. Se uma diálise zonular for observada durante a cirurgia, pode-se usar os anéis de tensão capsular para estabilização.
A sinéquia posterior preexistente com uma pupila miótica pode ser liberada com visco-cânula. Entretanto, em casos difíceis, pode-se realizar a esfincterotomia. Uma pupila sem dilatação pode ser aumentada com retratores ou ganchos de íris. O anel de Malyugin é um novo dispositivo de dilatação que tem sido usado para dilatar a pupila no intraoperatório. Em olhos com miose intra-operatória que apresentam ruptura da cápsula posterior, pode-se implantar uma LIO com expansão de pupila através do método do anel de Malyugin modificado por Agarwal.
Na presença de ruptura da cápsula posterior com um saco capsular perfeito, a LIO pode ser colocada no saco. Para uma pequena ruptura da cápsula posterior, sem perda de vítreo, e um bom saco capsular, uma LIO dobrável pode ser colocada. Uma LIO colada pode ser realizada em casos de cápsula posterior deficiente.
As razões mais comuns para a visão pós-cirúrgica diminuída são cicatriz corneana, cicatriz retiniana ou pucker macular. A opacificação da cápsula posterior também pode ocorrer. Há uma incidência mais alta de uveíte e captura óptica em olhos com LIO posicionada no sulco do que com uma LIO na bolsa.
Se a lesão do cristalino for clara e extensa com material cortical na câmara anterior, que possa causar a PIO aumentada ou reação inflamatória grave, a remoção do cristalino deve ser realizada ao mesmo tempo em que o reparo da laceração corneana. A remoção secundária do cristalino pode ser indicada em casos de trauma corneano grave com edema evidente.