- Após 18
anos convivendo com a Aids decidi escrever um livro que irá contar toda
minha trajetória de lutas e vitórias. Tenho como objetivo revelar minha
experiência para as pessoas que foram diagnosticada com esta doença ou
outras enfermidades crônicas degenerativas. Um caminho de
autoconhecimento, autocontrole e mudanças de paradigmas. Nasci em
25/01/1957, no Morro da Providência, centro, cidade do Rio de Janeiro. Sou
oriunda da classe proletária, minha mãe uma operária de fábrica e meu pai
estivador. Minha infância foi muito restrita por razões pessoais dos meus
pais. Durante todo a infância e adolescência ouvia que tinha que estudar
muito se quisesse me tornar alguém e sair daquele lugar. Dessa forma ,
desenvolvi uma mistura de paixão com obrigação pelos estudos o que foi
muito bom para mim, porque acredito sinceramente que conhecimento
aplicado é poder. Cursei todo o primeiro grau nas escolas públicas do
bairro e obtive muito sucesso nos estudos. Aos 18 anos entrei para
Universidade Federal Fluminense para cursar Nutrição. Aos 22 anos me
formei. Logo em seguida cursei minha primeira pós-graduação, ao mesmo
tempo, prestei concurso para o antigo INAMPS, passei e fui contratada como
nutricionista. Durante o curso de pós graduação percebi que a minha
vocação era ser professora. Corri atrás do meu sonho e neste momento fui
convidada para ser professora de Nutrição da Universidade Santa Úrsula
(USU). Dois anos depois prestei concurso público para ser professora da
Universidade Federal Fluminense (UFF), passei e assumi o cargo. Durante 7
anos ministrei aulas nas duas Universidades e concomitantemente trabalhei
como nutricionista no Hospital Universitário Antônio Pedro. Aos 27 anos
pedi demissão da USU, fique trabalhando
na UFF , no Hospital e fui cursar minha segunda pós- graduação. Aos
32 anos tive minha filha. Aos 40 anos mudei-me para São Paulo com objetivo
de fazer Mestrado em Nutrição, na Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP),o qual completei com sucesso em dois anos. Entrei diretamente no
Doutorado em Ciências. No começo do doutorado fui à Milão apresentar meu
trabalho num congresso. Tudo estava ocorrendo conforme o planejado na
minha carreira. Ao retornar ao Brasil estava muito magra e doente, fui
então procurar um amigo médico e ele
solicitou-me alguns exames. Me recordo que pedi para ele incluir no
pedido o teste para HIV, ele me olhou não disse nada e solicitou. Uma
semana depois o resultado estava pronto e eu neste dia não havia ido
trabalhar ansiosa com os resultados. Após o almoço meu amigo me telefonou
dizendo que o dono do laboratório havia ligado para ele por causa dos meus
exames, interrompi a sua fala e perguntei : " Deu positivo o
teste para HIV?" ele ficou mudo e pediu para que eu fosse ao
consultório. Fui com uma desculpa bem elaborada no sentido de que o
resultado estava errado. Ao chegar ele nada contestou e solicitou-me que
fosse a outro laboratório, imediatamente, fazer um teste mais certeiro
para o HIV. Fui e depois de duas horas terríveis veio a confirmação do que
eu já sabia desde que cheguei da Europa e estava negando. Positivo para
HIV. Fui encaminhada para um infectologista que pediu-me exames
específicos. Voltei ao consultório uma semana depois e veio o diagnóstico
mais cruel ainda, eu não era apenas soropositivo para HIV eu estava com
AIDS num estágio terminal, pois minha imunidade era inexistente. O meu
novo médico estarrecido medicou-me com os mais potentes anti-retrovirais
da época e pediu que eu entrasse em todas as igrejas que eu encontrasse ao
voltar para casa. Comecei a tomar os medicamentos, afastei-me das
atividades universitárias e comecei a pensar numa estratégia para salvar
minha vida. Sabia que não poderia me desequilibrar a ponto de chegar ao
desespero porque tinha total conhecimento que estresse emocional é fator
complicador para imunidade. As minhas teses eram sobre esse assunto. Como
elaborar todo esse conhecimento quando o paciente é você? Passei uma
semana deitada pensando de maneira lógica mas, ao mesmo tempo, querendo
proteção e com muito medo. Após esse período levantei e comecei agir,
colocando em prática tudo que a ciência havia me ensinado e também tudo
que eu havia aprendido durante os últimos 15 anos de estudos sobre
espiritualidade,psicologia e filosofia. Esses estudos eu fazia
paralelamente aos estudos científicos, correlacionados com a nutrição,
através de cursos e vivências. Na realidade eu cursava o doutorado da vida, tentando me auto conhecer. Quinze dias após o inicio do tratamento
fui internada, durante 21 dias, com um segundo diagnóstico: Uveíte por
citamegalovírus, essa inflamação na úlvea, uma estrutura do olho, costuma
cegar de forma irreversível. Durante a internação fiz uso diário de um
medicamento específico para esse vírus, que é um oportunista e como tal
pode acometer pessoas com AIDS. Saí do hospital após a dose de ataque a
esse vírus e fui encaminhada ao Hospital Emílio Ribas para continuar o
tratamento que até aquele momento seria para o restante da vida, três vezes
por semana. Quando passei a frequentar o Emílio Ribas convivi estreitamente
com a AIDS. Definitivamente
apavorante! Nesse momento utilizei dos vários conhecimentos que
havia obtido no doutorado da vida. Fui melhorando conforme os meses foram
passando. Participei do primeiro grupo de Pesquisa para deixar de tomar o
medicamento contra o citomegalovírus a partir do momento que a imunidade
atingisse um determinado estágio de melhora. Após 8 meses de internação
diária na unidade, "hospital dia," do Hospital Emílio Ribas obtive
alta mas havia perdido 90% da visão do olho esquerdo e 80% da visão do
olho direito. Um mês depois tive descolamento da retina do olho esquerdo,
passei quatro meses cuidando da retina com lazer. Nesse período dormia
praticamente deitada porque o sangue dentro do olho tinha que ser
reabsorvido e se não fosse ficaria cega do olho esquerdo, o oftalmologista
não garantiu que eu pudesse voltar a enxergar. Diante do quadro aprofundei
mais ainda as práticas dos meus conhecimentos paralelos, com o propósito
de não desequilibrar. Após seis meses me recuperei do olho mas continuei
com pouca visão. Em 2001 voltei a trabalhar na Universidade e terminei meu
doutorado com louvor. Nesse momento comecei com uma complicação advinda do
uso dos medicamentos antiretrovirais, lipodistrofia, que é a perda de
gordura na regiões da face, membros inferiores, superiores e nádegas,
acompanhada de uma maior deposição de gordura na região abdominal. Fiquei estranha esteticamente falando. Essa síndrome também eleva as gorduras
presentes no sangue, o que pode levar a complicações cardíacas. Dessa vez
entrou em cena a nutricionista e a minha determinação para malhar.
- Em 2002 defendi minha tese de doutorado e tinha como
objetivo continuar a trabalhar até a minha aposentadoria, quando para minha
surpresa, numa investigação médica de rotina, a taxa de vírus no sangue começou
a subir e como eu já tinha a visão muito comprometida não poderia correr o
risco da imunidade baixar e consequentemente o citomegalovírus voltar atacar e
me cegar de vez. Então os médicos decidiram me aposentar por invalidez. Nesse
momento, todo o meu sonho em relação a carreira acabou. Mais uma vez eu tive
que me reformular. Em 2009 comecei apresentar uma alteração nos rins e logo
após uma biópsia renal veio o diagnóstico de insuficiência renal crônica
causada pelo vírus HIV quando por ocasião da minha contaminação. Como eu era
muito jovem o que restou do parênquima renal foi suficiente para dar conta das
funções renais, porém com o envelhecimento natural do órgão os sintomas
apareceram. Outra vez fui buscar mais entendimento pessoal para poder entender
o que estava acontecendo. Equilibrei-me e a insuficiência renal seguiu seu
curso até que em 2015 fiz um transplante renal o qual foi muito bem sucedido.
Hoje depois de todo esse processo de desconstrução e construção, que considero
que foi um sucesso, resolvi revelar todo o caminho que percorri para estar viva
e feliz, apesar das adversidades.
Descobri que o
compromisso mais importante que temos é ser felizes e gratos, independente das
situações.
Acredito que
a minha missão de vida é passar meu conhecimento aplicado a quem
necessitar. Entendo que um livro é um bom começo. Saúde a todos!